No dia que teve o desfile impecável da Maria Bonita entre as apresentações é de se tomar nota. Mas tem mais. A seguir, o balanço do 3º dia.

Comemorando 15 anos de idade, Cavalera promoveu baile de debutante com direito a garotas cobertas de tule, renda, paetês e saias godê tipo bailarina. Ao lado delas, naturalmente, rapazes de ternos. Para instalar de vez o clima de festa, champagne e cupcakes foram servidos generosamente aos convidados na Casa Panamericana, toda decorada com balões.  É tudo verdade, mas narrado assim, o caso não contextualiza o fato. Na verdade, todo o aparato festa de debutante foi alinhado pelo streetwear. Rendas e companhia entraram em sintonia com jeans, saias bailarinas com bermudas e tops de decote rebaixado com meia taça preto. A boa alfaiataria que vestiu os garotos entrou em sintonia com jeans, T-shirts, sapatos coloridos sem meia e modelagem afinada com proporções contemporâneas. Para coroar o rito de passagem para os desejos de moda da atualidade, tome ídolos de rock em balões e camisetas.

Poética e singular, Maria Bonita fez um dos melhores desfiles até o momento. Na base da pesquisa está o trabalho da fotógrafa Anna Mariani, que registrou fachadas de casas nordestinas, expostas na Bienal de 1987. Só o primoroso trabalho com lâminas de madeira, que é coisa para se ver de perto, já valeria o desfile. Mas aí entraram as cores lavadas, em perfeita sintonia umas com as outras, evocando o Nordeste brasileiro, a roupa de trabalho no campo, verão, sol e a mais completa elegância que é possível extrair de tamanho despojamento nas formas, na modelagem, nos acabamentos. Uma lição madura e delicada de referências nacionais. E um ponto alto no histórico da marca. Bravo.

Fauna, flora e localidades exóticas registradas por Peter Beard, fotógrafo colecionador, escritor e artista, deram o norte para a coleção da Movimento. Grafias, folhagens e adereços étnicos entraram na receita para fazer coleção de altos e baixos, com algumas sacadas interessantes, como os bolsos em maiôs e biquínis, inserindo funcionalidade onde nunca houve o menor vestígio dela.

Ao jogar o filme "Zabriskie Point", na Bahia dos anos 1970, e costurar o cineasta Antonioni com o tropicalismo da terra de Gil e Caetano, a estilista Simone Nunes mostrou que tem coragem para misturar estampas e assuntos. O que não é coisa fácil. Não se guiar pela maioria também é mérito indiscutível dela, que busca de fato uma expressão particular. Entretanto, looks como short de modelagem quadrada combinado com uma espécie de paletó sem mangas e de lapelas enormes, capaz de encaixotar qualquer garota, ou trabalhar 3 cores em linhas descendente na região do busto, a ponto de sugerir uma queda livre anatômica, é algo desnecessário. Melhor ficar com o colorido e com as estampas.

Orquestrando poucos elementos e, como sempre, com mão leve, Wilson Ranieri dedicou essa coleção inteiramente aos tecidos acetinados e às transparências, e no caso delas, não poupou nenhuma parte da anatomia para levar a cabo seu projeto. Dito assim pode parecer que ele trouxe coleção de sensualidade apelativa para a passarela. Esqueça esta possibilidade. É tudo sobre delicadeza, flutuando em tons claros e caimentos molengas de seda, chifon e linho. A roupa é sempre definida pela gravidade, com raros pontos de estrutura na modelagem.

Chegado a uma fantasia explícita, o estilista Samuel Cirnansck tem a fama de fazer desfiles alegóricos e envolventes, em clima de reconstituição de época ou definindo um tema com todos os detalhes e caprichos que moda e cenografia juntas conseguem proporcionar. Desta vez, ele trocou anacronismos por deslocamentos culturais e, na SPFW que celebra brasilidade, emplacou Halloween alucinado, em comprimentos de mostrar a calcinha e imagens impregnadas de bom humor.

Desencaixando a modelagem, e com desacertos intencionais também na mistura de tecidos cores e padrões, FH por Fause Haten soltou coleção orientada pela ideia de justapor muitas identidades diferentes e todas ao mesmo tempo agora. Conseguiu. Não há o menor diálogo entre as partes desta coleção, que é ambiciosa, como sempre, e tem momentos de pura costura como sempre, mas passou descompassada como nunca.

Fotos: © Agência Fotosite
Eduardo Motta