UseFashion
15 de jun. de 2010
SPFW: balanço 6º dia
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15 de jun. de 2010
Violência de Stanley Kubrick e o olhar etnográfico de Mario de Andrade encerram com excelência a São Paulo Fashion Week. A seguir, o balanço do 6º dia.
Gloria Coelho se diverte com essa coisa de inspiração. Mistura o logotipo do patrocinador, no caso a Electrolux, com minerais, anos 1960, arquitetura, visão biológica da natureza e evolução do clássico. Provavelmente tem um pouco de tudo isso na coleção. Contudo, a essa altura, o que uma coleção Gloria Coelho tem é Gloria Coelho.
A estilista moldou um mundo só dela, e desdobra cada detalhe desse universo estação após estação. Desta vez, estão lá as fitas horizontais e verticais que dão sustentação umas às outras, até segurarem toda a construção, sempre minuciosa, e tão bem executada que não há como botar reparo técnico. Lá se vão as calças de cintura alta e os vestidos armaduras, tão leves que contrariam a referência que um dia foi belicosa. Tudo em cores de uma delicadeza etérea. O preto é contraponto e não há como apontar algo exatamente novo. Mas há, sem dúvida, mais de um mesmo que é bom.
No desfile masculino de Alexandre Herchcovitch, mal o 1º garoto de chapéu coco e com um taco de basebol dourado entrou na passarela, baixou sobre o ambiente o impacto de “Laranja Mecânica”, filme do Stanley Kubrick. A partir daí e de maneira inteligente, Alexandre fugiu de imagens literais, para se concentrar em alusões sutis e realizar todo um figurino novo para Alex e sua ameaçadora gangue de baderneiros.
Ficou o chapéu coco em versão mais alta, com algo do surrealista Magritte, o taco transformado em objeto atraente e a linha dândi incorporada à alfaiataria, captando bem a concepção elegante que Kubrick imprimiu aos seus marginais violentos. O tema entrou em sincronia com os desfiles viris e energéticos que o estilista tem realizado, desta vez ampliando as sensações pela memória de turbulência que o filme desencadeia. Um toque chapliniano adoçou a agressividade sem arrefecer a potência dessa excelente apresentação, com roupa de 1ª linha do começo ao fim.
Entre 1927 e 1929, o escritor Mario de Andrade realizou uma viagem pelo nordeste brasileiro que se tornaria um marco na história da cultura nacional. Era a 1ª vez que um intelectual observava os bordados, as rendas, as canções e a culinária com olhar etnográfico. Mario encantou-se com o que viu, gerando um material documental tão impregnado de admiração por seu objeto de estudo que moldaria a forma como o Brasil vê a si mesmo.
É essa nota que Ronaldo Fraga assume, a mesma em que ele opera. Um criador intelectual de moda sempre debruçado sobre a cultura popular. Vem daí o nome da coleção, o Turista Aprendiz, e vem daí a beleza que sequestrou o interesse do estilista, impondo-se sobre o estranhamento usual. O saldo desse escambo foi uma das coleções mais bonitas que Ronaldo já fez. Superposta à passarela recoberta por arabescos de azulejos hidráulicos, a coleção entrou como mais uma camada no delicado e suntuoso espetáculo decorativo. Com muitas rendas e bordados em transparências de asa de borboleta, o estilista desenhou modelos líricos, de intensa feminilidade, alguns com formas dos anos 1950, e emplacou mais um grande trabalho.
A V. Rom cita o Tempo, assim com letra maiúscula, como tema, e dispara coleção em que a alfaiataria é a linha condutora, acrescida de informações esportivas e ideias de desconexão expressas no corte. Além da saia que passou pela passarela, tudo soa comercial, embora um tanto sóbrio para o verão.
Com a cidade de São Paulo vista do alto como tema, o voo de Fernanda Yamamoto subverte a precisão do registro com desfoques e manchas, forçando uma visão algo poética da densa e acidentada malha urbana. Os tecidos fluídos e translúcidos, e os volumes aéreos que ela impõe à silhueta acentuam esta olhada lírica em que a delicadeza da matéria é um ponto alto.
André Lima tornou-se uma espécie de arremate oficial da São Paulo Fashion Week. O climão de tapete vermelho e grand finale, que toma conta dos desfiles dele e se espalha por todo o prédio da Bienal, explica. É o grande espetáculo da costura a serviço do corpo, que ele cita como fonte de inspiração. E tome curvas e volumes alucinados, vestidões em cascata de jabôs, brilhos dourados e prateados, cores e estampas. Um prato cheio para fechar uma realização profissional em clima de festa.
Fotos: © Agência Fotosite
Eduardo Motta
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