EFE
Novello Dariella
30 de abr. de 2019
São Paulo Fashion Week termina com morte e sem luto
EFE
Novello Dariella
30 de abr. de 2019
“Acabou de morrer uma pessoa e você está aqui como se a vida não valesse nada", gritou um artista vestido de dourado na passarela durante a noite de sábado, em meio ao desfile de encerramento da 47ª edição da São Paulo Fashion Week, o maior evento do setor da moda no Brasil.
O cantor dirigiu estas palavras ao público durante o desfile da marca Cavarela para criticar a decisão da organização de continuar o evento após a morte de um modelo de 26 anos, que sofreu um "mal súbito”, após desfilar algumas horas antes.
Tales Cotta, um modelo da agência Base MGE, sofreu um desmaio e ficou deitado na passarela, diante de um público atordoado, enquanto desfilava roupas da marca Ocksa. O jovem recebeu atendimento médico na passarela e foi levado para um hospital mas não resistiu e morreu.
Embora a organização do evento tenha tido algumas dúvidas, ela decidiu manter a programação e os dois desfiles restantes foram realizados, das marcas Ponto Firme e Cavalera. Durante este último, vários artistas subiram na passarela para animar o desfile com suas músicas, exceto um deles, que decidiu mudar a apresentação programada para fazer um apelo contra o que estava acontecendo naquele momento.
"Você não deveria estar aqui, não deveríamos estar aqui", ele gritou apontando para o público, acrescentando que "morreu uma pessoa e você está aqui como se a vida não valesse nada", para segundos depois abandonar a passarela, ao contrário dos demais artistas, que permaneceram sentados em um sofá enquanto o desfile acontecia.
Os desfiles
Cavalera, a marca de Alberto Hiar, foi responsável por encerrar esta 47ª edição da São Paulo Fashion Week com uma coleção intitulada “De volta às raízes”, que inundou o espaço com cores néon e uma ousada mistura de estampas. Animal print de vaca, xadrez escocês e art déco de motivos dourados foram combinados em uma série que celebrava o retorno da marca ao evento. O moletom oversized nas cores rosa, verde e azul neon e um casaco de vison marrom, preto e rosa-claro fizeram a diferença entre os looks urbanos.
Antes da Cavalera, a Ponto Firme, cujas peças são confeccionadas por presidiários em prol de sua reintegração, foi a penúltima a se apresentar. Depois de pedir um minuto de silêncio em homenagem a Tales Cotta, a marca Gustavo Silvestre realizou um desfile que se tornou um manifesto de reivindicação.
Em apenas sete minutos, a empresa colocou na passarela a luta pelos direitos dos presidiários e o racismo institucional no Brasil através das palavras que ecoavam substituindo a trilha sonora habitual, cartazes levantados pelos próprios modelos, e até mesmo um rap entoado por um deles.
Um jovem apareceu na passarela vestido com uma roupa da marca e usou um microfone para falar frases como: "Parem de nos matar que vamos conquistar o resto", em uma referência velada aos crimes contra os negros no Brasil.
Mais de 30 peças feitas quase inteiramente em crochê com cores vivas como rosa e amarelo e algumas peças marcantes com fio brilhante foram apresentadas pela marca, bem como peças em fios grossos formando grandes aberturas, misturando cores, com exceção de um vestido longo em uma variedade de tons de terra e toques de ouro que fez a diferença.
Todos os looks apresentados por Silvestre foram desenhados e confeccionados por 21 presidiários da cadeia Desembargador Adriano Marrey de Guarulhos, município de São Paulo, e quatro outros ex-internos, que continuaram trabalhando para a marca após serem soltos.
Anderson Costa Figueredo, integrante do projeto desde a sua criação em 2015, quando cumpria dois anos e meio de prisão por tráfico de drogas, criticou a falta de apoio à iniciativa. "O projeto tem um nome, que é Ponto Firme, e coloquei um ponto final à vida que eu levava e isso marcou o início da nova vida que eu levo hoje", disse Costa em entrevista à Efe, criticando que a empresa não obtém mais patrocínio do que o do próprio Gustavo Silvestre.
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