Saint Laurent-Celine, um quebra-cabeça para os compradores
Depois das controvérsias que seguiram o tão esperado primeiro desfile de Hedi Slimane para a Celine, os negócios foram retomados e os compradores definiram seus orçamentos. Mas como será que eles organizaram as compras entre a coleção da Saint Laurent assinada por Anthony Vaccarello, e a da Celine por Hedi Slimane, duas marcas concorrentes, sendo a primeira pertencente ao grupo Kering e a segunda ao seu rival LVMH? Uma escolha delicada, uma vez que ambas as coleções oferecem a mesma estética rock n’ roll, black e ultra-curta.
"É muito simples. Compramos a alfaiataria na Celine e as camisas e vestidos na Saint Laurent", resume Massimiliano Nardiello, responsável pelas compras de moda feminina da multimarca milanesa Antonia, que não esconde sua decepção. "Obviamente, os gerentes de vendas das marcas não ficaram contentes. Mas para nós foi terrível. No mesmo dia, fomos à Celine e depois à Saint Laurent. Tivemos a impressão de ver a pré-coleção pela manhã e a coleção à tarde, ou vice-versa!”.
De modo geral, após o fenômeno do sportswear que invadiu as passarelas nas últimas temporadas, os compradores viram um retorno ao glamour-strass proposto pela maior parte do mercado. Mas, como alguns observam, "em algumas marcas, essa tendência foi um pouco repetitiva", tornando as encomendas ainda mais complicadas.
“Todo esse preto e paetê... A mulher que vendemos não pode ser reduzida a isso. Ela é internacional, tem uma atividade profissional. Ela vem até nós para comprar roupas elegantes e sofisticadas para o dia-a-dia nas quais ela se sente bem. A Celine de Phoebe Philo atingia esse público. Não ter seus produtos na loja é para nós uma grande perda", lamenta Massimiliano Nardiello.
Ficou claro que Hedi Slimane não conseguiria abandonar seu estilo rock n'roll, com sua silhueta característica slim e sombria. Com isso, ele só pôde usar na Celine a mesma receita de sucesso da Saint Laurent, onde ele gerenciou a criação e a imagem de 2012 a 2016.
O líder da LVMH, Bernard Arnault, sabia muito bem disso quando apostou no estilista estrela para repetir o feito realizado na Saint Laurent, cujo faturamento aumentou 75% para 974 milhões de euros em 2015. É compreensível que Anthony Vaccarello tenha continuado e impulsionado este efeito "rock-glam", que se revelou tão rentável na Saint Laurent. Em outras palavras, a situação era previsível.
Além disso, para algumas multimarcas, como o grupo russo Mercury, que distribui as grandes grifes na região, incluindo Celine e Saint Laurent, não existe problema algum. Eles vão continuar a comprar ambas as marcas. Riccardo Tortato, diretor de moda de e-commerce e moda masculina da loja de departamentos Tsum, de propriedade da Mercury, não fala das semelhanças entre as duas marcas porque "as silhuetas e os volumes são diferentes de uma coleção para a outra”.
"Com exceção de alguns produtos, como o jeans preto, não vemos uma sobreposição específica entre as duas coleções. É verdade que a Saint Laurent apresenta o background de Hedi Slimane, mas Anthony Vaccarello a fez evoluir. Sua mulher é menos grunge e californiana. Ela é mais sexy e jovem. As roupas são mais fluidas e amplas. Na Celine, por outro lado, há um volume mínimo, e mais apertado. Durante o desfile, também foram apresentados muitos vestidos para a noite. Não podemos esquecer que, para a ocasião, a Celine trouxe sete ou oito modelos de alta-costura, enquanto no showroom vimos peças que não foram mostradas no desfile e, especialmente, muitos costumes para os homens, bem como casacos e peças com mangas para as mulheres", diz ele.
"Certamente, a Celine mudou totalmente o estilo. Mas você se lembra quando Alessandro Michele substituiu Frida Giannini na Gucci, ele gerou as mesmas controvérsias. Mas, não apenas a marca sobreviveu, como as suas vendas aumentaram! A Celine dos últimos anos está morta e enterrada. Isso não diminui o fato de que a maison, assim como a Saint Laurent, têm ambas duas histórias muito bonitas, cada uma com o seu savoir-faire. Alguns produtos venderão melhor na Celine, outros na Saint Laurent. Mas, no fim, é o cliente que dará o seu veredito", observa o diretor de moda, lembrando que "existem três marcas no mundo que a mulher nunca vai abandonar: Chanel, Louis Vuitton e Saint Laurent".
“A Saint Laurent é única. Ela continua sendo uma das marcas mais bonitas da história da moda, acrescenta Beppe Angiolini, detentora das lojas Sugar, em Arezzo, e nova diretora artística da concept store de luxo Excelsior. É verdade que o seu produto é agora bastante semelhante ao da Celine, especialmente na moda feminina. Dito isto, Anthony Vaccarello evoluiu o estilo de Hedi Slimane com um estilo sempre luxuoso, mas hiper feminino, mais orientado para a noite. Acredito que a última coleção tenha até mesmo um toque étnico".
Em termos de acessórios, a maioria dos compradores está esperando para ver a oferta das próximas temporadas, e até o momento Hedi Slimane propôs apenas alguns modelos de tanto que as equipes mudaram. De acordo com um especialista da indústria, que deseja permanecer anônimo, a LVMH teria transferido a equipe criativa responsável pelas bolsas da Celine para a Loewe, outra marca do grupo, e Hedi Slimane teria repatriado a sua própria equipe.
"Na Celine, Hedi Slimane continua a sua história. Ele queria confirmar a sua identidade. Seu primeiro desfile para a Saint Laurent também foi muito controverso, e não refletiu o trabalho sucessivo realizado na marca. A partir da próxima temporada, ele provavelmente irá evoluir. Achei a sua moda masculina muito interessante, bem diferente do que o designer estava fazendo na Dior Homme. Me surpreendeu o fato de não ter uma camiseta, um suéter, ou um único par de tênis. Esse é um sinal importante que ele enviou ao mercado", continua Beppe Angiolini.
Esta nova moda masculina da Celine foi recebida com unanimidade entre os compradores. “Na moda masculina, a Celine é totalmente diferente da Saint Laurent. Existe muito menos sobreposições. O produto é muito bonito, de alta qualidade, e a oferta já está completa. Há também uma grande oferta de roupas formais", diz Riccardo Tortato, que está entre os sortudos escolhidos para distribuir a coleção. "Eles escolheram poucas multimarcas, de 30 a 40 pontos de venda no mundo", diz ele.
Com o lançamento da linha masculina, a Celine claramente quer marcar presença no mercado. O volume de negócios da marca, que conta com quase 140 lojas, é estimado em cerca de 1 bilhão de euros. A ambição é dobrar as vendas em cinco anos.
Para atingir a meta, a empresa não economizou e transformou a enorme marquise localizada atrás dos Invalides, em Paris, para realizar o primeiro desfile assinado por Hedi Slimane em um showroom gigantesco, que apresentou peças masculinas e femininas. A marca pretende capitalizar, é claro, a paixão que o estilista de origem ítalo-tunisiana é capaz de despertar em torno de sua pessoa, na esperança de atrair os fãs de Slimane anteriormente abandonados na Saint Laurent. Mas a marca também está apostando na moda masculina.
"Esta nova Celine será um pouco mais masculina que feminina. Hedi Slimane é inegavelmente mais autêntico no moda masculina, enquanto Anthony Vaccarello tem mais dificuldades com a moda masculina", diz Massimilano Nardiello. "Nesta fase, a Celine tem um potencial incrível nesse setor. Eles fizeram um trabalho muito inteligente", diz Silvano Vangi, gerente de compras de moda feminina da Luisaviaroma. A Celine irá seduzir uma nova clientela masculina. Mas o fato é que o desaparecimento da mulher Céline by Phoebe Philo representa um déficit para as multimarcas.
Essa perda criou um vazio no mercado, além da onda de nostalgia que se propagou especialmente nas redes sociais, como evidenciado por contas do Instagram que foram criadas nas ultimas semanas para manter viva a memória e o trabalho da designer britânica durante seus 10 anos na Céline (2008-2018), como, por exemplo, @oldceline, que alcançou 97.000 seguidores em dois meses, e @phoebesceline, perfil mais recente. Isso também prova a explosão de vendas de modelos antigos de bolsas Celine em sites de segunda mão. Os "Philophiles", como são apelidados, não estão prestes a desaparecer.
"Phoebe Philo conseguiu criar uma linguagem de vestuário que conseguia atingir as mulheres com um produto mais delicado e feminino. Ela abordava consumidoras que buscavam roupas para o dia elegantes mas fáceis ao mesmo tempo", ressalta Silvano Vangi. "Uma mulher com um gosto muito específico, que trabalha e que se sentia perfeita quando estava vestida de Celine", diz Massimiliano Nardiello.
Esse tipo de mulher, as multimarcas terão que procurar em outro lugar, como na Chloé ou Givenchy, que foram mencionadas para algumas peças. Por seu estilo atemporal e pela qualidade de suas roupas, a estilista Gabriela Hearst, natural do Uruguai e baseada nos Estados Unidos, também convenceu alguns compradores. Assim como a The Row, outra marca de luxo americana, dirigida pelas irmãs Ashley e Mary-Kate Olsen desde o seu lançamento, em 2007.
Mas a maison de luxo que poderia se beneficiar desse quebra-cabeça delicado estaria do lado da Kering. Na verdade, houve uma grande expectativa em torno de Bottega Veneta desde a saída de Tomas Maier em junho, após 17 anos de serviço. Este último foi substituído por Daniel Lee. Formado pela Central Saint Martins College, o jovem designer britânico de 32 anos trabalhou, entre outras, na Maison Margiela, Balenciaga e Donna Karan... antes de ingressar na Celine em 2012. Boa parte da equipe que apoiava Phoebe Philo se mudou com ele para a Bottega Veneta.
A grife não foi desfilou nesta temporada, no entanto, ela apresentou alguns modelos em seu showroom em Milão. "Os primeiros looks que pudemos ver imediatamente nos fazem entender que há uma disposição para ir nessa direção", diz um comprador italiano.
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