Entrevista: Bianca Borelli, designer de calçados

Jovem e com uma considerável bagagem profissional, a gaúcha de Novo Hamburgo/RS, Bianca Borelli, de 28 anos de idade, é formada em design de produtos pela Universidade Feevale (Novo Hamburgo) e, claro, é completamente apaixonada pelo seu trabalho.

A atração por calçados foi uma descoberta no meio do caminho, segundo ela. Aconteceu de forma inusitada. Em sua família, ela não é a única que se destaca no design de calçados. Bianca é o tipo de pessoa que cativa facilmente. Simpática, ela tem outra paixão, os animais, pelos quais guarda grande respeito e admiração. Conheça um pouco mais da trajetória dessa talentosa profissional.

Exclusivo Moda: Como iniciou sua paixão por sapatos?
Bianca Borelli: O interesse por moda e design começou desde cedo e acho que está no gene da família. Minha mãe conta que, desde pequenos, meu irmão e eu amávamos desenhar. Ela nos dava papel e lápis de cor e ficávamos deitados no chão da sala, desenhando por horas - ambos nos tornamos designers de calçados. Meu irmão se destacou no ramo dos esportivos e hoje é um grande profissional. Tenho muito orgulho dele e, com certeza, me espelhei no seu trabalho. Sempre gostei de customizar; cortar, colar e bordar minhas peças. Era uma terapia e quase deixava minha mãe louca com as coisas que pedia pra ela fazer na máquina de costura! Lembro que desde pequena eu já tinha em mente ser estilista. Tinha um caderno no qual desenhava em cada página um croqui de moda diferente.

Exclusivo Moda: A moda serviu de base?
Bianca Borelli: Sim! Acabei começando no ramo de vestuário desenhando vestidos de noivas e festas diretamente para as clientes em uma loja do ramo. Ficava muito feliz em ver as mulheres satisfeitas com os vestidos feitos para ocasiões tão importantes, e notei que estava no caminho certo. Depois, tive a oportunidade de trabalhar na Botfix (Novo Hamburgo/RS), empresa especializada em enfeites para calçados e acessórios e, ali sim, tive contato direto com calçados e descobri minha verdadeira paixão. Mais tarde, fui para um estúdio de calçados, na mesma cidade, onde aprendi muito. Em seguida, para a Calçados Azaléia (Parobé/RS), onde criei pra quatro marcas da empresa por um ano, até surgir a oportunidade de trabalhar na China. Lá, eu acredito ter sido o grande ‘boom’ da minha carreira. Além de todo conhecimento cultural que adquiri, trabalhei numa companhia de exportação de um taiwanês, desenhando para marcas reconhecidas mundialmente.

Exclusivo Moda: E depois?
Bianca Borelli: Voltei da China e montei meu escritório no Brasil e me mantive trabalhando como autônoma. Foi na graduação que fui convidada por um dos professores para dar aulas de desenho no Senai de Novo Hamburgo. Me tornar professora foi um grande desafio, porque além de tímida, sempre me considerei uma pessoa um pouco impaciente. Mas, com certeza, foi uma experiência ótima, que me fez crescer mais como pessoa e profissional. É incrível como podemos aprender ensinando.

Exclusivo Moda: Como é ser designer autônoma? Quais seus desafios?
Bianca Borelli: É preciso ter muita disciplina, principalmente com os horários. Há semanas tranquilas e outras nas quais se trabalha quase 24 horas por dia. Há também a oscilação salarial. Mesmo quando se possui contratos com empresas, é preciso saber lidar com as diferenças mensais na remuneração. A autonomia me tornou uma profissional mais eficaz, e me abriu muitas portas.

Exclusivo Moda: Quando você desenvolve coleções ou modelos, quais características pessoais ficam impressas nas criações?
Bianca Borelli: Como dizia um cliente meu, “gosto da Bia na criação porque ela enche de fru-frus”. Acho que é isso, gosto de dar graciosidade em tudo que crio, por isso me destaquei no feminino e infantil. Quando desenho, esqueço tudo à minha volta. Adoro desenhar escutando música. Amo o que faço, e, com certeza, essa paixão fica expressa nas criações.

Exclusivo Moda: Quais as diferenças em criar para públicos de estilos e idades distintos?
Bianca Borelli: Públicos diferentes possuem processos criativos separados, mas o fio que norteia, tanto para a linha masculina, quanto para a feminina e infantil, é a autenticidade e o conforto. Já produzi, no mesmo dia, um chinelo masculino baseado no próximo verão, uma linha feminina para o próximo inverno e uma sola infantil baseada na tendência atual. Considero meu trabalho um processo de lapidação. Rabisco muito e assim vou dando forma aos modelos. Acredito que, como todo designer, fico até o último minuto possível melhorando os projetos e só paro mesmo na hora de entregar.

Exclusivo Moda: Para quais marcas você já trabalhou?
Bianca Borelli: Algumas delas: Barth Shoes, Esdra, Azaléia, Dijean, Opanka, Funny, Bibi, Wolp, Korobete, Steve Madden, Aldo, Charles David, Gacel, Beverly Feldman, River Island, Charles David, Carmem Steffens e Buffalo London. Além de prestar assessoria para empresas como CMB Moldes, Ultratec, Zeus Footwear e a loja de calçados Raios de Sol.

Exclusivo Moda: Qual o sapato que você criou lhe dá mais orgulho?
Bianca Borelli: Fiz uma linha de botas enquanto estava na China para a marca Beverly Feldman e trouxe três modelos comigo para o Brasil. Todas as vezes que as uso, as pessoas param e me perguntam de onde são. Já flagrei uma mulher ajoelhada no banheiro do shopping fotografando minha bota, apaixonada pelo modelo! Fiz essa linha para a marca espanhola e, enquanto criava as botas extremamente trabalhadas, lembro que por momentos me questionava se aquilo tudo agradaria ao público. E tive grande incentivo da própria Beverly, que sempre me dizia “Bia, too much is not enought” (muito não é o suficiente). Sempre que leio esta frase e lembro dela, começo a rir e penso nas tais botas que fizeram o maior sucesso! Também tenho uma paixão especial pelos modelos injetados infantis. O último que criei foi baseado na Galinha Pintadinha e ficou uma graça.

Exclusivo Moda: Com quais materiais você prefere trabalhar?
Bianca Borelli: Acredito que todo designer de calçados e bolsas tenha verdadeira paixão pelo couro. É um material nobre e durável, além do toque especial que possui. Mas, atualmente, os sintéticos apresentados no mercado pelos fornecedores conseguem substituir e suprir o que precisamos em termos de visual e qualidade. Gosto muito de trabalhar com plástico também, alguns detalhes seriam muito difíceis ou impossíveis de serem feitos em uma matéria-prima diferente.

Exclusivo Moda: Qual designer famoso lhe inspira?
Bianca Borelli: Com certeza, Jimmy Choo. Acho o trabalho dele ousado e elegante, um sonho de consumo para qualquer mulher. Além de sempre ter em mente uma frase sua que li e acho valiosa: “É preciso ser gentil com as pessoas para que elas tenham uma boa recordação sua”.

Exclusivo Moda: Onde você busca referências para seu trabalho?
Bianca Borelli: Na verdade, busco em tudo ao meu redor. As inspirações chegam de diversos lugares e situações. Tudo o que é diferente e, ao mesmo tempo, belo me atrai. Gosto muito de observar pessoas e seus comportamentos. Viagens são sempre inspiradoras, assim como livros, artes e cinema. Procuro estar sempre atualizada às tendências evidenciadas em sites especializados em consumo. Gosto de me guiar por um tema ou ícone que escolho, ou que me é sugerido. Assim, a partir do tema, procuro referências diversas que desencadeiam uma série de ideias. Minha intenção é fazer diferente.

Exclusivo Moda: Como atender aos desejos do mercado?
Bianca Borelli: O público quer produtos diferentes, que encham os olhos. Gosto de trabalhar cabedais elaborados e ornamentos, mas também não me importo em produzir sapatos mais simples e acessíveis para que mais pessoas possam tê-los. Fundamental no ramo da criação é entendermos nosso público-alvo sempre, suas necessidades e gostos, levando em conta o conforto do produto, para todos os segmentos. Conhecer as pessoas e lugares onde seu produto será comercializado é importante. O segredo é criar o belo de maneira inteligente.

Exclusivo Moda: Quais seus planos para o futuro no design?
Bianca Borelli: Não tenho planos, aliás, nunca os tive. Sempre acreditei que nada é por acaso e tudo acontece no momento certo. Deixei a vida ir me levando e aproveitei as oportunidades que achei serem boas. Nunca fiquei sentada esperando, sempre tentei me aperfeiçoar e adquirir conhecimentos necessários para me destacar neste ramo e, com certeza, é assim que continuarei agindo, dando o melhor de mim no meu trabalho sempre e aguardando o que vem pela frente.

Exclusivo Moda: Qual mensagem deixa para futuros designers de calçados?
Bianca Borelli: Não importa onde você esteja, nunca esqueça da humildade. Ajude no que for possível e pergunte o que não sabe. Procure indústrias e entenda realmente como tudo funciona. Veja o sapato num esquema produtivo, numa produção em série. Seja ágil no seu trabalho, cumpra sempre os prazos estipulados e faça bem feito, de maneira consciente, e tenha em mente o embasamento de suas ideias para defender seu produto. Sempre fui uma pessoa muito teimosa, defendo muito o que acredito, mas também é preciso aceitar críticas e saber que não é possível agradar a todos.

Exclusivo Moda: Uma característica importante da profissão, em sua opinião?
Bianca Borelli: O ramo da criação mexe diretamente com nosso ego e precisamos estar preparados pra isso. Aprender o processo funcional do produto: cortar, costurar e montar é importante. Isso é o necessário para um bom designer de calçados. Mais do que um enorme currículo, tenha um bom portfólio e nele coloque o seu melhor, mostre todo seu potencial. E vale lembrar: não considere seu trabalho encerrado ao entregar um projeto ou uma coleção. Vá atrás dele nas lojas, observe ele exposto, questione as vendas, instigue os pontos de melhoria, enfim, mantenha-se atento a todo o ciclo do produto.